Category Archives: Antiguidade Clássica

Lua Cheia de Saudade!!!

Estamos de Volta

Depois de um longo período sem atualizações, após uma boa faxina, já estamos cá a postos!! Voltar ao compromisso de alimentar esse espaço com conteúdos de qualidade e acessível aos devotos e simpatizantes dessa magnífica deusa que é Hécate.

E, para coroar esse reencontro, cheio de entusiasmo e saudosismo, quero receber todos os leitores do blog e novos visitantes com esse esplêndido Hino a Hécate retirado e traduzido da Teogonia (vv.404-452) por ninguém menos que Jaa Torrano.

Para quem não o conhece, José Antonio Alves (Jaa) Torrano é um dos mais prolíficos (do latim proles, adjetivo de quem tem a virtude de gerar ou fecundar, termo muito usado para se referir a autores e/ou criadores de muitas obras e coisas) tradutores de textos gregos para a língua portuguesa em atividade. Professor titular de língua grega e literatura grega na Universidade de São Paulo (USP), é graduado em Letras Clássicas (latim, português e grego). Já publicou, além do poema épico Teogonia, de Hesíodo, cuidadosas traduções de todas as tragédias de Ésquilo, das tragédias Medeia e Bacantes, de Eurípides, e de alguns poemas de Safo de Lesbos.

Hino a Hécate (Teogonia, vv.404-452)


Febe entrou no amoroso leito de Coios
e fecundou a Deusa o Deus em amor,
ela gerou Leto de negro véu, a sempre doce,
boa aos homens e aos Deuses imortais,
doce dês o começo, a mais suave no Olimpo.
Gerou Astéria de propício nome, que Perses
conduziu um dia a seu palácio e desposou,
e fecundada pariu Hécate a quem mais
Zeus Cronida honrou e concedeu esplêndidos dons,
ter parte na terra e no mar infecundo.
Ela também do Céu constelado partilhou a honra
e é muito honrada entre os Deuses imortais.
Hoje ainda, se algum homem sobre a terra
com belos sacrifícios conforme os ritos propicia
e invoca Hécate, muita honra o acompanha
facilmente, a quem a Deusa propensa acolhe a prece;
De quantos nasceram da Terra e do Céu
e receberam honra, de todos obteve um lote;
nem o Cronida violou nem a despojou
do que recebeu entre os antigos Deuses Titãs,
e ela tem como primeiro no começo houve a partilha.
Nem porque filha única menos partilhou de honra
e de privilégio na terra e no céu e no mar
mas ainda mais, porque honra-a Zeus.
A quem quer, grandemente dá auxílio e ajuda,
no tribunal senta-se junto aos reis venerandos,
na assembléia entre o povo distingue a quem quer,
e quando se armam para o combate homicida
os homens, aí a Deusa assiste a quem quer
e propícia concede vitória e oferece-lhe glória.
Diligente quando os homens lutam nos jogos
aí também a Deusa lhe dá auxílio e ajuda,
e vencendo pela força e vigor, leva belo prêmio
facilmente, com alegria, e aos pais dá a glória.
Diligente entre os cavaleiros assiste a quem quer,
e aos que lavram o mar de ínvios caminhos
e suplicam a Hécate e ao troante Treme-terra,
fácil a gloriosa Deusa concede muita pesca
ou surge e arranca-a, se o quer no seu ânimo.
Diligente no estábulo com Hermes aumenta
o rebanho de bois e a larga tropa de cabras
e a de ovelhas lanosas, se o quer no seu ânimo,
de pouco avoluma-os e de muitos faz menores.
Assim, apesar de ser a única filha de sua mãe,
entre imortais é honrada com todos os privilégios.
O Cronida a fez nutriz de jovens que depois dela
com os olhos viram a luz da multividente Aurora.
Assim dês o começo é nutriz de jovens e estas as honras.


Quem é Hécate?

“…e desta união
nasceu a poderosa Hecate
Que Zeus agraciou com esplêndidos Dons…”

[Trecho da Teogonia de Hesíodo]

Hecate_by_LouvetteHécate é uma deusa de muito nomes, muitos cultos e muitas atribuições. Mas, hoje, infelizmente, Hécate é uma deusa também muito mal compreendida e interpretada. A quantidade de bobagens equívocos que eu leio por ai (internet, redes sociais e – pasmem! – livros também, inclusive publicados pela editora mais famosa no meio esotérico…) é algo até desesperador. Porque ao invés de servir como uma contribuição aos adoradoras na deusa iniciarem suas devoções; ao contrário, prestam um verdadeiro desserviço muito perigoso até, dependendo do caso.

Seja como for, o intuito deste post não é (AINDA!) tratar desses temas ligados a desconstrução de mitos e pre-concepções, pois isso farei na época de lua minguante (torcendo para que a energia lunar nos ajude a realmente combater essas enormes confusões!!). Estamos em pleno período de lua nova, onde Ártemis sorri para nós nas próximas noites, enquanto infla seu arco rumo ao quarto crescente. E, nós, por aqui, vamos nos lançar no desafio de responder a pergunta aí de cia:

Quem é Hécate?

Hécate TrÍvia ou Triformis era uma das mais antigas deusas da Grécia pré-helênica. Cultuada originariamente na Trácia como representação arcaica da Deusa Tríplice, foi associada com a noite, a lua negra, os domínios da magia, profecias, cura e os mistérios da morte, renovação e nascimento. Senhora das encruzilhadas e dos caminhos da vida e do mundo subterrâneo

Hécate é um também um arquétipo primordial do inconsciente pessoal e coletivo, que nos permite o acesso às camadas mais profundas da memória ancestral. Pois ela – ao lado de Hermes Psicopompo – é quem se movimenta entre os mundos e se revela no olhar daqueles que olham para passado, presente e futuro por meio de ferramentas oraculares. É ela também que coloca as mãos nos trabalhos de cura que transpõe as pontes entre os reinos visíveis e invisíveis, em busca de segredos, soluções, visões e comunicações espirituais para o pronto restabelecimento e regeneração dos seus semelhantes.

Filha dos Titãs Astéria (Deusa das estrelas e do aspecto sinistro da noite) e Perses (deus da destruição), Hécate é quem usa a tiara de estrelas que ilumina os escuros caminhos da noite, bem como a vastidão da escuridão interior. Neta de Nyx, deusa ancestral da noite, Hécate também é uma das “Rainha da Noite” e tem domínio na três esferas universais: no céu, na Terra/Águas e no mundo subterrâneo.

Agora, mais do que isso… Hécate é uma deusa muito, muito complexa. Viva uma vida inteira dedicada exclusivamente ao sacerdócio à Hécate e só assim poderá se considerar um iniciante em seu culto, dada a vastidão de seus domínios. Contudo, gosto de definir Hécate como a Deusa de muitas Faces, onde podemos reconhecer alguns dos seus epítetos:

  • Klêidouchos é a ‘guardiã das chaves’, quem define o que e quem pode ou não cruzar suas portas e portais. Pois é ela quem decide e determina o que e quem se inicia ou se encerra dentro do mistério
  • Prytania, a “Rainha dos mortos”, é a condutora das almas e sua guardiã durante a passagem entre os mundos, mas Ela também rege os poderes de regeneração, sendo invocada no desencarne e nos nascimentos

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  • Protyraia, é a que cuida da proteção e segurança no parto, trazendo vida longa, saúde e boa sorte ao nascido e a parturiente.
  • Phosphoros é a detentora de uma aura fosforescente que brilha na escuridão do mundo subterrâneo, guardiã do inconsciente e guia das almas na transição.

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  • Kourotrophos é a que cuida das crianças e ama dos jovens durante a vida, incluindo a vida intra-uterina e seu nascimento, assim como fazia sua antecessora egípcia, a parteira divina Heqet.
  • Propolos, é a que traz suas duas tochas apontadas para o céu e a terra, iluminam a busca da transformação espiritual e o renascimento

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  • Trioditis ou Enodia é a protetora dos viajantes, senhora dos caminhos e dona das encruzilhadas de três pontas, onde recebe de seus devotos pedidos de proteção e oferendas, conhecida por “ceias de Hécate”

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  • Propylaia é a reverenciada como guardiã das casas, portas, famílias e bens pelas mulheres, que oravam na frente do altar antes de sair de casa pedindo Sua benção.
  • Triformis ou Tricephalus é a que poe a mão na massa, responsável pelos feitos mágicos e feitiços. Era representada com pilares ou estátua de três cabeças e seis braços que segurava suas insígnias sagradas: tocha (ilumina o caminho), chave e as vezes uma serpente (atando e desatando mistérios e promotora das transmutações), corda (conduz as almas e reproduz o cordão umbilical do nascimento) ou adaga (corta ilusões e medos).

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  • Krateis (‘poderosa’) é a que propicia o trânsito e governa os ciclos. EX: se acreditava que é graças a seus domínios que as estações do ano e as fases da vida feminina é um eterno ciclo em trânsito. Assim, Hécate formaria uma tríade divina juntamente com: Kore/Perséfone/Proserpina/Hebe no início do ciclo (que presidem a primavera, fertilidade e juventude) e com Deméter/Ceres/Rhéa – regentes da maturidade, colheita e gestação.

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  • Khtonia, é a senhora da sabedoria, padroeira do inverno, da velhice e das profundezas da terra.
  • Trívia é, em Roma, a “dea triformis“, tríplice, patrona da feitiçaria e das práticas mágicas. Era invocada nas doenças, dado o seu poder de cura, regente dos espectros e dos espíritos. Por ser uma divindade de culto mais popular do que os “figurões” do Olimpo e das histórias de Homero, seus domínios como Trívia se aproxima dos regidos por Ártemis e Diana, sendo conhecida como “a que atira longe”, lunar, dona do Bosque e do Lago de Nemi.

eterna noite

Portanto, só por ai já dá para ver a vastidão de onde se pode perceber e sentir a presença e a mão da Deusa no universo e no mundo. E que limitá-la a essa ideia de Rainha das Bruxas e dos Mortos é de longe o tratamento mais supérfluo que um devoto pode lhe conceder.


Fontes de pesquisa e referência para o artigo: