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Quem é Hécate?

“…e desta união
nasceu a poderosa Hecate
Que Zeus agraciou com esplêndidos Dons…”

[Trecho da Teogonia de Hesíodo]

Hecate_by_LouvetteHécate é uma deusa de muito nomes, muitos cultos e muitas atribuições. Mas, hoje, infelizmente, Hécate é uma deusa também muito mal compreendida e interpretada. A quantidade de bobagens equívocos que eu leio por ai (internet, redes sociais e – pasmem! – livros também, inclusive publicados pela editora mais famosa no meio esotérico…) é algo até desesperador. Porque ao invés de servir como uma contribuição aos adoradoras na deusa iniciarem suas devoções; ao contrário, prestam um verdadeiro desserviço muito perigoso até, dependendo do caso.

Seja como for, o intuito deste post não é (AINDA!) tratar desses temas ligados a desconstrução de mitos e pre-concepções, pois isso farei na época de lua minguante (torcendo para que a energia lunar nos ajude a realmente combater essas enormes confusões!!). Estamos em pleno período de lua nova, onde Ártemis sorri para nós nas próximas noites, enquanto infla seu arco rumo ao quarto crescente. E, nós, por aqui, vamos nos lançar no desafio de responder a pergunta aí de cia:

Quem é Hécate?

Hécate TrÍvia ou Triformis era uma das mais antigas deusas da Grécia pré-helênica. Cultuada originariamente na Trácia como representação arcaica da Deusa Tríplice, foi associada com a noite, a lua negra, os domínios da magia, profecias, cura e os mistérios da morte, renovação e nascimento. Senhora das encruzilhadas e dos caminhos da vida e do mundo subterrâneo

Hécate é um também um arquétipo primordial do inconsciente pessoal e coletivo, que nos permite o acesso às camadas mais profundas da memória ancestral. Pois ela – ao lado de Hermes Psicopompo – é quem se movimenta entre os mundos e se revela no olhar daqueles que olham para passado, presente e futuro por meio de ferramentas oraculares. É ela também que coloca as mãos nos trabalhos de cura que transpõe as pontes entre os reinos visíveis e invisíveis, em busca de segredos, soluções, visões e comunicações espirituais para o pronto restabelecimento e regeneração dos seus semelhantes.

Filha dos Titãs Astéria (Deusa das estrelas e do aspecto sinistro da noite) e Perses (deus da destruição), Hécate é quem usa a tiara de estrelas que ilumina os escuros caminhos da noite, bem como a vastidão da escuridão interior. Neta de Nyx, deusa ancestral da noite, Hécate também é uma das “Rainha da Noite” e tem domínio na três esferas universais: no céu, na Terra/Águas e no mundo subterrâneo.

Agora, mais do que isso… Hécate é uma deusa muito, muito complexa. Viva uma vida inteira dedicada exclusivamente ao sacerdócio à Hécate e só assim poderá se considerar um iniciante em seu culto, dada a vastidão de seus domínios. Contudo, gosto de definir Hécate como a Deusa de muitas Faces, onde podemos reconhecer alguns dos seus epítetos:

  • Klêidouchos é a ‘guardiã das chaves’, quem define o que e quem pode ou não cruzar suas portas e portais. Pois é ela quem decide e determina o que e quem se inicia ou se encerra dentro do mistério
  • Prytania, a “Rainha dos mortos”, é a condutora das almas e sua guardiã durante a passagem entre os mundos, mas Ela também rege os poderes de regeneração, sendo invocada no desencarne e nos nascimentos

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  • Protyraia, é a que cuida da proteção e segurança no parto, trazendo vida longa, saúde e boa sorte ao nascido e a parturiente.
  • Phosphoros é a detentora de uma aura fosforescente que brilha na escuridão do mundo subterrâneo, guardiã do inconsciente e guia das almas na transição.

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  • Kourotrophos é a que cuida das crianças e ama dos jovens durante a vida, incluindo a vida intra-uterina e seu nascimento, assim como fazia sua antecessora egípcia, a parteira divina Heqet.
  • Propolos, é a que traz suas duas tochas apontadas para o céu e a terra, iluminam a busca da transformação espiritual e o renascimento

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  • Trioditis ou Enodia é a protetora dos viajantes, senhora dos caminhos e dona das encruzilhadas de três pontas, onde recebe de seus devotos pedidos de proteção e oferendas, conhecida por “ceias de Hécate”

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  • Propylaia é a reverenciada como guardiã das casas, portas, famílias e bens pelas mulheres, que oravam na frente do altar antes de sair de casa pedindo Sua benção.
  • Triformis ou Tricephalus é a que poe a mão na massa, responsável pelos feitos mágicos e feitiços. Era representada com pilares ou estátua de três cabeças e seis braços que segurava suas insígnias sagradas: tocha (ilumina o caminho), chave e as vezes uma serpente (atando e desatando mistérios e promotora das transmutações), corda (conduz as almas e reproduz o cordão umbilical do nascimento) ou adaga (corta ilusões e medos).

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  • Krateis (‘poderosa’) é a que propicia o trânsito e governa os ciclos. EX: se acreditava que é graças a seus domínios que as estações do ano e as fases da vida feminina é um eterno ciclo em trânsito. Assim, Hécate formaria uma tríade divina juntamente com: Kore/Perséfone/Proserpina/Hebe no início do ciclo (que presidem a primavera, fertilidade e juventude) e com Deméter/Ceres/Rhéa – regentes da maturidade, colheita e gestação.

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  • Khtonia, é a senhora da sabedoria, padroeira do inverno, da velhice e das profundezas da terra.
  • Trívia é, em Roma, a “dea triformis“, tríplice, patrona da feitiçaria e das práticas mágicas. Era invocada nas doenças, dado o seu poder de cura, regente dos espectros e dos espíritos. Por ser uma divindade de culto mais popular do que os “figurões” do Olimpo e das histórias de Homero, seus domínios como Trívia se aproxima dos regidos por Ártemis e Diana, sendo conhecida como “a que atira longe”, lunar, dona do Bosque e do Lago de Nemi.

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Portanto, só por ai já dá para ver a vastidão de onde se pode perceber e sentir a presença e a mão da Deusa no universo e no mundo. E que limitá-la a essa ideia de Rainha das Bruxas e dos Mortos é de longe o tratamento mais supérfluo que um devoto pode lhe conceder.


Fontes de pesquisa e referência para o artigo:


Um pouco de Hécate Mãe

20140519-151631-54991979.jpgQuem lembra daquele post que escrevi tratando um pouco sobe “Hécate Donzela”, em 22/nov/2012. Pois é, lá eu pincelei uma série de considerações a cerca desse culto tão imenso e complicado.

No post, parti do pressuposto que Hécate é uma deusa muito antiga, muito vasta, muito singular mesmo, em todos os sincretismos e associações possíveis de se fazer. Sobre a régis, aliás, de toda e qualquer cultura……

Muitos são os costumes e tradições de culto a uma deusa tríplice, com essas faces de donzelas, mães e anciãs. E, de todas elas, é possível identificar elementos peculiares, características essenciais a todas elas, que denominei de a tríplice face do Limite (donzela), do Foco (mãe) e do Desapego (anciã), respectivamente.

No 2º domingo de maio, como o de costume no Brasil, foi Dia das mães!! E convenientemente, este ano estávamos na lua cheia. Sou mãe há 2 anos e acho que enfim tenho mais condições de pincelar algumas considerações sobre essa face materna de Hécate.

Dizia eu que, quando as donzelas conseguem até aqui chegar, no ápice de seus limites, aí Elas transitam… Pegam seus molhos de chaves e deixam – finalmente – de olhar a sua esquerda, (lado onde mora seu coração e ímpetos, instintos) para, enfim, entrar em sua face mãe… E para frente olhar…focar

Foco é uma coisa engraçada. Ao mesmo tempo que foco quer dizer “ponto de convergência ou donde saem emanações (centro)”; foco também pode ser associado a um “candeeiro que concentra a luz num feixe estreito e que se pode orientar em várias direções”.

Quem tem um filho (homens e mulheres), inevitavelmente, mais ou menos, acaba se percebendo em uma profunda revolução pessoal. TU-DO, absolutamente T-U-D-O gira em torno desse novo foco: um filho, uma nova vida. As preocupações e provisões profissionais, familiares, domésticas, religiosas, particulares e sociais convergem ao mesmo centro: a vida com a chegada desse novo ser. O centro de todas as atenções.

Mas, melhor que essa definição, nos domínios de Hécate Mãe, acho mais interessante a figura do candeeiro. Aquele que concentra a luz num feixe estreito e que se pode orientar em várias direções. À luz de suas tochas, que são acesas no combustível que achamos nas partes mais ocultas de nossos espíritos, ajuda no trilhar de suas encruzilhadas. Com cães como companhia e a única certeza de que é através de seus caminhos, que voltaremos melhores do que ao sair de nossos lares em direção ao desconhecido.

E, lembrando do mito da criança da promessa, o filho da Luz, o ser mãe em Hécate é concentrar todo tipo de Know-How, habilidades, conhecimentos (ao lado de todos os medos, anseios, medos, inseguranças e pânicos!) a serviço de um único foco: o dar a luz!! Muitas são as direções que as mães se apoiam nessa árdua tarefa de transformação e dor/amor. É a entrega nua e crua de tudo o que já foi seu um dia para agora ser de outro.

Como Hécate Phosphorus (‘portadora da luz’) ou Hécate Dadouchos (‘portadora da tocha’), ser mãe em seus domínios significa se desnudar de absolutamente tudo que um dia já lhe serviu tão bem. É preciso se deixar esfolar de toda zona de conforto, deixar escorrer todo ardor do erro, de nunca mais ter certeza de nada. E ser genuinamente suscetível a anulação, a crítica, a severidade do incerto, do imponderável.

 

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Só quando as mães conseguem se flambar de todo calor, de toda luz que é colocar e criar um filho no mundo, é que Elas transitam… Pegam suas tochas e deixam – finalmente – de olhar só a frente de si mesmas, para enfim entrar em sua face anciã… E começar a olhar para traz… desapegar…

Mas aí, a última parte dessa história, fica para o próximo post. Abraços!

 


Um pouco de Hécate Donzela

Resolvi falar um pouco mais sobre Hécate e esse culto tão imenso e complicado.
Principalmente porque estou cozinhando suas palavras desde segunda-feira, um dia que sempre me leva a coisas dela… E, não obstante, por conta da proximidade com sua lua nova, Lua Negra, Lua de Hécate!

Sei que estou falando aqui sobre uma Deusa muito antiga, muito vasta, muito singular mesmo, em todos os possíveis sincretismos e associações possíveis de se fazer. Sobre a régis, aliás, de toda e qualquer cultura…… Mas, da minha parte, o que eu identifico, são efetivamente algumas características essenciais a todas elas, que não só podem ser identificadas como da mesma identidade, sob o seu véu: a tríplice face do Limite, do Foco e do Desapego, respectivamente.

Primeiro porque Ela é uma Deusa que te leva ao limite mesmo. Irremediavelmente… indiscutivelmente…

E isso – agora que eu entendi – é uma coisa fácil de explicar. Em sua face donzela, tudo é vasto demais. Tudo tem a mesma graça e a mesma forma que os nossos sonhos. E os olhos parecem só enxergar plenitude. Achamos que já sabemos tudo, entendemos tudo e temos uns zilhões de idéias sobre os caminhos da humanidade. Dançamos métodos novos e as melhores formas de encaminhar a tudo e a todos. O céu não é o limite! E o que importa mesmo é deixar as expectativas e as emoções ao alcance do infinito. Ir até onde se acha que dá para chegar… (e sim, sempre dá para chegar um tantinho mais pra lá), antes do legítimo e merecido momento de se fartar. Quase como, depois das tempestades, a bonança, sabem? Como se todo o oceano de possibilidades fossem realmente necessários e precisos, até poder – finalmente – abraçar o colo doce do horizonte…

Pois é… tudo isso porque… nada verdade, sem isso, não passamos por todas as portas!
E sem passar por elas, não tem como adquirirmos todas as chaves. Logo, como dominar o reino dos portais adimensionais, entre os tempos e os mundos, sem conquistar todas as fronteiras, sem vencer todos os limites? Sim, o domínio das chaves é – por excelência – das donzelas. O que me faz lembrar daquele epíteto de Hécate, mantenedora das chaves.

Só que o todo é feito de partes, e para cada parte, há seu respectivo encaixe no todo. E, nesse caso, só se conhece os verdadeiros limites, de fato, se “chegar-se” até eles em absoluta exaustão. E é justamente nesse sentido, que as donzelas são especialistas. Porque de fato, elas só têm a elas mesmas para perder, não é?? Qual a dificuldade, então, de comprometer a própria dignidade, de se estender em tanta permissividades, em nome e pelo o que acreditam?? Nossa!!! Para alcançar seus verdadeiros objetos de desejos, Elas são capazes de tudo… até de se perderem delas mesmas, se assim precisar. E nessas, claro, se esgotarem ao limite do profundo!!

Só no esgotamento, quando a última gota de suor sorveu todo o cansaço das suas entranhas, que é possível ficar vazia, sozinha… Só com a gente mesma! Quando nada mais haverá para se explorar e a única saída for exatamente àquela primeira, por onde se entrou. Sua essência, sua natureza e sua forma primordial.

Quando as donzelas conseguem até aqui chegar, aí Elas transitam…
Pegam seus molhos de chaves e deixam – finalmente – de olhar a sua esquerda, (lado onde mora seu coração) para, enfim, entrar em sua face mãe… E para frente olhar…focar…

Mas aí, é outro post, que eu prometo continuar outro dia…


A Brasilidade em Hécate

Pois, em Hécate nada é óbvio!

Enquanto uma massa gigantesca de adoradores, devotos, sacerdotes e aprendizes a feiticeiras de deusas tríplices ficam por ai dedicando Enya e Loreena McKennitt em seus cultos (nada contra as duas cantoras!! Eu também adoro e as considero ótimas!!), há uma canção, forjada dentro do cancioneiro popular brasileiro, onde é possível resgatar a alma do ciclo da Trívia; além de um pouco dos mistério de morte, trânsito e renascimento típicos aos domínios de Hécate. Mesmo sendo uma simples cantiga fundamentada no folclore, tradições e lendas pernambucanas e nordestina.

Essa música é da banda “Comadre Florzinha (ou Fulozinha)”, do Recife, criada em 1997.

As integrantes são mulheres que interpretam canções que têm como principal influência os ritmos regionais do Nordeste. Sua sonoridade tem como base a percussão e as vozes, numa mistura de ritmos como coco, baião e ciranda, com influências variadas. Usam instrumentos como bombo, zabumba, congas, djembê, ilú, saxofone, cavaquinho, violão e rabeca, todos coordenados em uma linguagem própria e cheia de personalidade.

Agora, somam vocês: canções que são verdadeiros legados ancestrais, cheias de costumes e regionalidades, compostas por mulheres reunidas em um grupo que é praticamente um círculo do Sagrado Feminino, que misturam e transitam por diversas “faces” rítmicas circulares… E ainda por cima traz uma composição, uma letra como essa, denominado Grande Poder…

Quem mais poderia vir a minha mente??
Ela, la mia Regina!!!

+GRANDE PODER+

Comadre Fulozinha

Composição: Mestre Verdelinho

O nosso deus corrige o mundo

pelo seu dominamento sei o que a terra gira

com o seu grande poder

grande poder com o seu grande poder (2x)

a terra deu, a terra dá, a terra cria

homem a terra cria, a terra deu a terra há

a terra voga a terra dá o que tirar

a terra acaba com toda má alegria

a terra acaba com o inseto que a terra cria

nascendo em cima da terra nessa terra há de viver

vivendo na terra que essa terra há de comer

tudo que vive nessa terra

pra essa terra é alimento

deus corrige o mundo pelo seu dominamento

a terra gira com o seu grande poder

grande poder, com o seu grande poder

o nosso deus corrige o mundo… (refrão)

porque no céu a gente vê uma estrelinha

aquela estrela nasce e se põe as 6 horas

quando é de manhã aquela estrela vai embora

tem uma maior e tem outra mais miudinha

tem uma acesa e outra mais apagadinha

seis horas da noite é que pega a aparecer

quando é de manhãzinha ela torna a se esconder

só de noite ela brilha em cima do firmamento

porque deus corrige o mundo pelo seu dominamento

a terra gira com o seu grande poder

grande poder, com o seu grande poder

o nosso deus corrige o mundo… (refrão)

o homem aplanta um rebolinho de maniva

aquela maniva com dez dias tá inchada

começa a nascer aquela folha orvalhada

ali vai se criando aquela obra positiva

muito esverdeada, muito linda e muito viva

embaixo cria uma batata que engorda e faz crescer

aquilo dá farinha pra todo mundo comer

e para todas as criaturas vai servir de alimento

deus corrige o mundo pelo seu dominamento

a terra gira com o seu grande poder

grande poder, com o seu grande poder.

o nosso deus corrige o mundo pelo seu dominamento…


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Sobre o céu, a terra e o submundo

Da encruzilhada: direita, esquerda e o meio.

Das três faces: donzela, mãe e anciã.

Das três fases: crescente, cheia e miguante.

Das três caras: cão, cavalo e serpente.

A que é mente, corpo e espírito.

Irradia na manhã, tarde e a noite.

A que encerra a morte, a vida e o renascimento

E que estende seus domínios sobre o céu, a terra e o submundo.

No Megalai Ehoiai, além de tudo isso, Hécate é também a mãe de Scylla, o monstro marinho da Odisséia (monstro marinho aterrorizante com seis cabeças de serpente com três fileiras de dentes e um círculo de doze cães ladradores em volta da cintura). E ainda, é quem passou a guardar um lado do estreito de Messina, entre a Sicília e a Itália (lugar que eu sei que um pedaço da minha essência habita por lá). Logo, Hécate também é aquela que caminha entre Deuses, Homens e Monstros!! E que, acima de tudo… encerra em si mesma a unidade do ciclo: nas passagens, na feminilidade, no escuro véu da lua, no instinto, na existência, no dia e na humanidade.

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